CONFLITOS E MAGIA
Texto e Ilustração: Adilson CTS
Mérelin abriu os olhos e contemplou a entrada do corredor
escuro a sua frente. Finalmente, após anos de estudo e muito treinamento,
conseguira entrar naquele plano de existência onde a magia dominava tudo ao seu
redor.
Percebeu que havia uma lanterna em sua mão direita. Ela a
ergueu e a luz da vela iluminou o seu caminho, então ela entrou no corredor. Caminhava
devagar enquanto observava atentamente as paredes de alvenaria a sua volta.
Logo o corredor dividiu-se em dois caminhos e ela ficou parada, ponderando sobre
qual deles deveria seguir. No mundo onde Mérelin vive muitas pessoas possuem aptidões
mágicas, mas tornar-se um mestre da magia, como ela almejava, era um feito para
poucos.
Decidiu ir pelo caminho da direita. Caminhou pelo que parecia
uma eternidade, até que a luz da lanterna revelou uma porta de ferro no final
do corredor. Mérelin observava a porta enquanto decidia se devia abri-la ou
voltar para o outro corredor. Atrás dessa porta poderia estar o seu triunfo, mas
se fizesse uma escolha errada agora, anos de sacrifício e dedicação iriam se
perder em apenas um segundo.
O medo do fracasso começou a toma-la aos poucos, e de
repente ela percebeu que as paredes começaram a fechar-se em sua direção. Mérelin
colocou as mãos nelas e tentou segura-las, sem sucesso. Então ela percebeu que
a dúvida estava enfraquecendo sua mente.
Suas mãos começaram a brilhar com a sua magia e ela foi
capaz de empurrar as paredes para longe de si. Fechou os punhos e correu em
direção a porta com convicção, empurrando-a com toda sua força. A porta
abriu-se e uma forte luz ofuscou seus olhos.
Mérelin entrou na sala com os olhos fechados, mas aos poucos
eles foram acostumando-se com a luz e então ela foi capaz de ver uma criança
que estava ali dentro. Observando melhor, a jovem percebeu que não era uma
criança comum: era ela mesma.
Logo Mérelin entendeu que a criança representava seu
passado. Sua infância, para ser mais exata. Aproximou-se devagar enquanto era
encarada pela garotinha. Abaixou-se diante dela e ergueu a mão. A criança fez o
mesmo enquanto olhava fixamente em seus olhos, observando a parte mais profunda
de sua alma. Quando seus dedos se tocaram, uma grande ferida parecia ter sido
aberta na jovem. Uma dor antiga e aguda retornou subitamente.
Mérelin experimentou novamente, com a mesma intensidade de
uma criança de sete anos, a dor que sentira quando seu pai deixou sua casa e
partiu para viver aventuras, onde encontrou o seu fim, deixando ela sozinha com
uma mãe amargurada.
Mesmo sofrendo muito ao reencontrar uma parte de si mesma
que havia renegado, Mérelin sentia-se completa. Era difícil aceitar aquela
parte frágil novamente depois de rejeita-la durante todos esses anos. As duas
caminharam juntas até uma porta de madeira do outro lado da sala.
Mérelin abriu a porta e deparou-se com um lindo jardim. Caminharam
algum tempo por ele, encantadas, até encontrarem um unicórnio branco. Montado
nele estava o homem que ela amava.
- Olá Méri – disse ele descendo do animal e aproximando-se
dela, sorrindo.
- O que está fazendo aqui? - indagou Mérelin, esquecendo por
um momento que ali tudo era possível.
- Vim busca-la – respondeu o homem. – Finalmente percebi o
quanto você é importante para mim. Uma lágrima correu pelo rosto de Mérelin. Sempre
quis ouvi-lo dizer aquelas palavras para ela, mas tudo que conseguia era sua
indiferença. No fundo sabia que aquilo não era real, mas naquele plano de
existência a magia estava em tudo, e a ilusão ou a realidade eram um mero
detalhe.
Ele acariciou o rosto da jovem e ela pode sentir todo o amor
e carinho que sempre procurou naquele homem. Ela segurou a mão dele, fechou os
olhos e desejou do fundo do seu coração que aquele momento durasse para sempre.
- Vem comigo – disse ele sorrindo. – Podemos ir nós dois no
meu unicórnio.
- Só nós dois? indagou Mérelin olhando para a garotinha.
- Sim – respondeu o homem. – Você pode ter o que deseja
agora mesmo, basta vir comigo.
Outra lágrima rolou pelo rosto de Mérelin. Ela pegou uma
adaga em sua cintura e perfurou o coração do homem. Enquanto ele caia e agonizava,
ela percebeu que abrira mão dos seus desejos por algo muito maior.
Correu até a garotinha e abraçou ela com todas as suas
forças. Nesse momento um portal mágico surgiu diante delas. As duas sorriram e
atravessaram ele juntas, de mãos dadas.
Mérelin abriu os olhos. Uma compreensão maior tomou conta
dela. Antigas questões para as quais nunca encontrara respostas antes subitamente
esclareceram-se e todas as suas dúvidas desapareceram. Atordoada, a jovem demorou
algum tempo para perceber que seu mentor a observava, satisfeito.